quem conta um conto aumenta um ponto
e mais não digo ....



Não diz nada e me beija (O que Maria devia ter dito à José)




Sob o céu, Maria sempre esteve em casa. O céu é céu quando, escurece, quando clareia, quando água. É lindo porque existe e pronto. O dia é bonito se venta, se faz sol e se não faz. A noite é sempre santa e ainda mais se amanhece num beijo. O céu é o teto dos que se sabem infinitos, naquilo que vivem. Paredes de vidro protegem sem cegar, mas, no final, pode haver cacos fazendo sangrar. Debaixo do céu até os perigos são mais honestos. Estão ali, junto.
Maria sempre teve em cada estrela uma amiga. Desde menina ela nunca acreditou em distâncias, que hoje a física quântica prova serem, em muitos casos, apenas uma construção mental, a metafísica da organização das coisas na forma que nos acostumamos a conhecer. Só de pensar numa estrela seus olho brilham em sintonia.
Naquela noite, para ganhar o céu estrelado, Maria deixou os saltos altos no carro. Queria pisar no mundo de José, com a alegria descalça da menina que joga amarelinha. Também queria sentir o chão. Tocá-lo para batizá-lo porto seguro, em nome de todos os santos, que abriam asas invisíveis sob seus vôos. Assim consagrada, a terra firme soaria menos ameaçadora, se acaso ela tropeçasse em seus próprios passos ao querer José e caísse de amores.
De noite, o futuro não fazia sombra. E José guardava o sol, de outra linda manhã, na boca. Nesse ponto do enredo, era preciso guiar-se pela lembrança da língua, de sabor de laranja lima. Doce. Delícia. De súbito me vem uma cena que não houve, dos dois chupando uma manga madura, embaixo da goiabeira do quintal. Surrealismo fictício. Ninguém mais sabia o que houvera e o que haverá, afinal. Maria e José, nessa história, eram filhos de todas as naturezas. Tinham no coração, a maior de todas as semelhanças: a liberdade.
Foi numa nesga em meio a uma multidão, uma fresta restante entre vários personagens iguais, chatos, previsíveis, sentada no chão, em cima de todas as estórias , que eu vi tudo acontecer. Abrigados em seus vizinhos castelos de cristal, Maria e José foram forçados a vestir seus sorrisos para olhares alheios e a calar a nudez da alma. Eu não encontrava mais as palavras certas para colocar na boca de Maria. Sempre duvidei das certezas. Não sabia ao certo quem era José e essa abstinência de saber, já começava a arder. Fiquei sem palavras, diante deles: uma Maria um um José, que certamente não eram juntos algo qualquer. "O nada é o passaporte para quem tem o coração cheiro", disse Paulinho Moska. Toda história, no fim das contas, se escreve sozinha, imaginei. Só acontece o que teve ocasião de ser não é? Enquanto niguém tem as respostas, essa noite deixo, simplesmente, acontecer essa saudade antecipada.