A primavera sempre me chega avassaladora. Desta vez foi com atraso. A tristeza cega e quase perdi o bonde deste, que é o tempo ideal para semear a cura. A auto-salvação de nossas lavouras - permanentemente atacadas por pragas variadas - geralmente auto-imunes, fica favorecida nas horas floridas. Temos tanto à aprender com as flores. Elas aceitam seus espinhos, acomodam-nos em lugares menos privilegiados e assim desafiadoras de si mesmas resplandecem no que possuem de melhor, na alegria sincera de ofertar perfumes e coloridos ao cosmos, aos olhinhos de uma criança, que cruzam pela primeira vez um girassol, à mim e para você também.
As flores são criaturas alegres. Sim porque só esse sentimento, que tanto pode se aproximar do ideal de paz, é capaz de reproduzir em matéria formas tão milagrosas. É praxe que os santos institucionalizados sejam mártires. Já a divindade das rosas, tulipas, orquídeas, margaridas, gerâneos, hortências azuis, lírios laranjas e outras deusas de pétalas é benta por si mesma, porque se manifesta pela sutileza da existência.
Você duvida sinceramente que uma flor faça milagres? Adote uma plantinha. Faça amizade com ela. Então saberá que, num dia ruim, a simples presença de uma violeta pode te fazer transmutar um karma (lei de causa e efeito) e lembrar que talvez só saibamos o que é a luz porque em alguns dias permanecemos à sombra. Hoje enquanto rumava em meu carro, para mais uma tarefa cotidiana, ouvi vários ipês amarelos maravilhosos cantando para mim. Era uma sinfonia de força, poder e energia. Uma música para me lembrar que não devemos nos ater ao amor, mais um sujeito egocêntrico e cheio de vontades e sim ao amar...este sim verbo liberto, leve, solto....abençoado. Não foi a primeira vez e tampouco me aconteceu de forma menos comovente.
No correr do dia choveu e ventou muuuuito em minha cidade. Tive medo e pensei naquelas criaturas leves como a pluma. Talvez elas tenham permanecido em silêncio, durante o temporal, mas não em atitude vitimada e sim na aceitação, de quem se sabe apenas parte de um acontecimento inevitável. As flores, ao contrário de muitas meninas, são senhoras de seus reinos. Nada temem quanto aos ciclos vida-morte-vida. Não titubeiam nem clamam ajuda. Também murcham e até morrem, mas com a altivez das espécies que gozam avassaladoramente todos os prazeres de suas floradas e portanto deixam sementes na eternidade. Senti vergonha, confesso, do meu comportamento frente as tempestades que me incluem em certas estações da vida...mas que fazer se não sou flor? ainda....
Mas, quer saber de um segredo? Eu ainda acho que as damas-da-noite -com aqueles cheiros inebriantes e inconfundíveis - são meninas, que na calada da lua, saem descalças em seus vestidos brancos e esvoaçantes, espalhando a sensualidade da vontade sob os transeuntes. Elas gostam de saber que aquele cheiro de cio, misturado com amor, que espalham fica latejando em milhares de homens e mulheres, que fazem amores em cantos diversos da cidades de cimento. E desses encontros brotam flores energéticas astrais. Hoje eu finalmente acordei para a primavera e soube que o universo ofereceu cada pétala por um sorriso meu.
Hoje eu chorei de alegria.
@imagem Geisa Martins
