quem conta um conto aumenta um ponto
e mais não digo ....



PASSAGEIROS


foto de Karina Bertocine



Eram dois meninos. Não pela idade, mas pela delicadeza . Tinham também aquela curiosidade, que só a molecagem sabe carregar a contento no olhar. Havia um misto de orgulho, felicidade e medo naquelas carinhas, que nunca tinham avistado o mundo, de cima das tantas e rasteiras diferenças sociais. A fé, que costuma ser o colo de quem vive à deriva de uma série de regalias, estava ali também em patuás, na reza das mães, que aguardavam seus filhos sãos e salvos, descrita entre sorrisos cheios de gratidão orgulhosa pelo mais falante da dupla.
Mesmo absortos no tempo das descobertas - de como funcionava a mesinha, ou a forma correta de pedir ajuda da comissária e receosos de perderem algum passo das instruções de segurança – aqueles moços eram pura elegância, ainda não lapidada, porém latente em cada gesto, inclusive na percepção de outro ser humano, que divide o mesmo caminho. Um deles acertou com dificuldade a luz para que eu saboreasse, de forma mais confortável, o maravilhoso livro “Quando é Preciso ser Forte “, EDITORA NOBEL do mestre DeRose . , um ser que será apra sempre menino e que dedicou a vida à ensinar outros meninos a serem fortes e cultivarem a vida com um propósito maior de evolução, através do SwáSthya Yôga.
Dá para acreditar que o outro se ofereceu para carregar a minha bolsa? É que eu tenho esse costume de deixar a bolsa perto. Não que tenha dinheiro ou congêneres, é só porque, de repente, possa precisar de minhas coisinhas, mas enfim, como eles eram gentis no conceito mais puro da palavra. Eles não queriam se gabar dos livros que leram, ou versar sobre as reticências do autor fulano de tal, muito menos desejavam indicar qual a melhor combinação de tinto, para uma simples massa com molho de tomate e tampouco me dariam trela, se fosse eu a autoflante,/autoreferente do papo. Muito provavelmente eles nem sabiam pronunciar a palavra Cabernet Sauvignon. Nosso encontro era só uma brincadeira, sem compromissos egocêntricos, como deviam se todos ....era conversar sobre o nada ou ficar quieto entendendo tudo.

Eles não tinham receio algum de se colocar como aprendizes. Meninos, atletas de corrida, em viagem de um dia para competir( a primeira da vida, num avião) . Também lembravam felizes, que no outro dia, as cinco da manhã, pegariam no batente. Era meia noite, naquelas alturas. Essa aceitação da vida os fazia tão altivos. Eles eram o que eram, com a educação e refinamento ao qual tiveram acesso. Não eram passivos, queriam sover da existência tudo o que toda gente quer (“Gente é para brilhar não para morrer de fome...”Caetano Veloso). Tanto que precisaram ser muito fortes para vencer o pânico de morrer num avião e conhecer Florianópolis, além de conquistarem o sexto lugar na prova de corrida. Eles eram um retrato bonito e esperançoso do nosso Brasil mulato, trabalhador, cheio de pessoas em busca de oportunidade para experenciar a vida, a alegria, o amor, a chance de um vir a ser, assim como eu e você, mas a diferença é que talvez eles fossem mais fortes, por serem mais simples. Por serem frutos da dificuldade. “A vida sempre é simples. A gente é que complica “Antônio Montone , meu amado avô, que agora está em outro plano com seus ditos que ecoam em cada canto de mim todo o tempo.