quem conta um conto aumenta um ponto
e mais não digo ....



O PARADOXAL FEDORENTO


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Cheiro para mim é sagrado. Amo o perfume das orelhas do meu filho, do pescoço do meu namorado, de flor, de amor, de incenso, de vinho tinto, de tanta coisa...
Afasto cheiros ruins, de qualquer natureza, ou tento .... Pelo olfato dá para saber muito das coisas do mundo. Estão aí os botões de rosas, que não me deixam mentir. A gente sente no ar os cheiros mais diversos, toda hora. De gente falsa, de inveja , arrogância, de encanto, de promessa, de bondade, de saudade, dos deuses e dos diabos. Talvez por isso, o nome “Cheiro de Ralo” não tenha apetecido meu nariz cansado, mas acontecia que o filme de Hector Dhália continha a brisa do talento do ator Selton Mello e então, claro, fui cheirar.

A sinopse de Cheiro de Ralo é bem despretensiosa. Fala apenas de um homem com estranhas obsessões pelo cheiro de ralo e o bumbum de uma mulher. Mas é muito, muito, mais complexo que isso. Provoca nojo e ao mesmo tempo uma certa vergonha, porque se a gente viajar além das cenas escrotas - como um cara enfiando a mão na merda literalmente – vai perceber o retrato de um povo, o brasileiro, miserável tanto nas suas obsessões quanto realidades. Uma série de tipos chocantes, que vivem certamente aí na sua e na minha vizinhança também, desfilam pela tela, vendendo o pouco de dignidade que lhes resta à um monstro inocente, cruel e patéticamente sofredor, vivido por Selton, construído pelas mesmas circunstâncias opressoras da vida de seus submissos. É ele quem estabelece quanto vale o sacrifico de cada um, em reais. Pensando assim, o filme vale a pena.

No contraponto, está o humor de mau gosto, chamado de negro, que é desnecessário apesar de ser parte da vida. Me parece uma sátira apenas besta colocar a Tiazinha (Lembra da Suzana Alves...então?) na história ensinando passinhos tipo anos 80, com polaina e tudo, com a fala de Nietzsche – “só acredito em deuses que dançam “ - que consta neste blog, inclusive (risos).

O momento mais lindo do filme é uma cena de solidão de Selton, depois de espancar um homem indefeso, no meio das quinquilharias que amontoou a vida toda, aonde ele chega a conclusão de que as coisas das quais ele mais tem saudades na vida são as que nunca conseguiu tocar.

Acho que o filme é de arte sim, porque para mim artístico é aquilo que afeta. É o contrário da indiferença e quase sinônimo de mudança. Trata-se de causar alguma explosão, que pode ser de identificação, incômodo ou estranhamento, mas nunca de comodidade. É bacana que o cinema brasileiro esteja em franca expansão em vários sentidos. Deste movimento têm nascido produções maravilhosas, quase impecáveis, como o lindíssimo “o Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias”, que trasnformou um tema batido, a ditadura militar, no pano de fundo de uma comovente história. Cheiro de Ralo não é uma dessas jóias raras, mas é muito bom. O roteiro é um pouco sujo. Uma faxininha e um perfuminho ali aproveitariam mellhor o grande trabalho de Selton Mello e todo o elenco. Os atores estão irrepreensíveis. Bom..... não que eu seja maniqueísta, pelo contrário.....talvez é uma palavra bem mais interessante que sim ou não, mas francamente gostei e não gostei.


De qualquer jeito, seria tão lindo se o povo braslieiro, como gosta de dizer nosso presidente, pudésse ir mais ao cinema, para se olhar no espelho, pentear os cabelos e orgulhar-se de uma beleza singular. A arte é uma grande educadora, talvez porque ela deseduque nossa subserviência.

Queridos voltei! Desculpem os dias em branco........frutos da velha escravidão proletária, para dar conta de pagar o imposto de renda..... Espero que voltem, mesmo depois do meu sumiço, que pode se repetir, mas não me deixem só, porque eu tenho medo do escuro e céu sem estrelas é breu...beijos enluarados e um ótimo domingo, que pode ser de cinema e pipoca....ou não, como diria Caetano Veloso, grande artista brasileiro, poeta daqueles que afetam até uma porta.

foto www.olhares.com.br