quem conta um conto aumenta um ponto
e mais não digo ....



UMA AVÓ DE DAR ÁGUA NA BOCA


foto Alberto Viana


SEGUE ABAIXO A MISSA DE SÉTIMO DIA PARA MINHA ETERNA AVÓ

“chorei.... eu chorei de dor porque....Iolanda meu grande amor foi você....”

Diz a lenda que um certo Deus criou o mundo em sete dias. Ontem foi o sétimo dia da empreitada de reconstrução do mundo que eu conhecia, aquele aonde morava a minha Esperança. Por não ser deusa, estou longe de dar o trabalho por concluído. Tem sido uma experiência desafiadora arrumar a “casa” e continuar feliz, como ela sempre quer.

Minha avó Iolanda Esperança, aquela que não costumava esperar dos outros e fez acontecer sempre, teve que seguir viagem. Não pôde deixar endereço. Foi para este tempo estranho, que um dia me chegará também. Nada ficou deserto. Ao contrário, meu coração transborda daquele verde esmeralda dos olhos mais vívidos que me viram. Os da minha avó, meu seio farto de acalanto, meu encanto. Ela sempre soube que eu seria sempre uma menina grande. E ria e gostava de saber que eu era um tempo, um momento de interseção entre tudo que fui e serei. Minha avó gargalhava tão gostoso. Era um misto de inocência e safadeza indescritível.

Não havia estranhamento entre nós. Podíamos resolver pular amarelinha juntas, vez em quando, a despeito dos RGs das décadas de 30 e 70. É que minha avó era igualzinha a mim, neste sentido. Ela corria o risco de parecer ridícula. Na verdade, nem se atentava para isso, estava mais preocupada em fazer, ou pelo menos tentar, do que em explicar-se. Talvez tenha lhe faltado um pouco de discrição, mas nunca de ousadia para trasncender-se. E neste sentido tenho muito que aprender. Ela me ensinou a não julgar. Não com sermões, mas com ações. Ensinou na prática o que é fazer a minha parte e deixar acontecer.

E minha avó, apesar de ser de “outro tempo” acreditava em novas idéias. Gostava de atraí-las. Ela nunca me disse que arte não dava vestido. Ao contrário sempre decretou : “então vá Carolina, vá trabalhar e preste atenção na vida, tome cuidado e continue! “E é por isso que eu sempre voltei cheia de saudades.
Minha vó era como a letra do Adoniran .....ela não reclamava. “Não reclama. A chuva levou só sua cama. Amanhã você constrói um barraco ainda melhor”....foi assim com este tipo de canção que ela embalou meus sonhos.

Foi minha vó também quem me mostrou a diferença em fazer as coisas com prazer. Nossa!!!! Que experiência sensorial maravilhosa é amassar um pão, dar comida para o cachorro, lavar louça, beber água, enfim fazer qualquer coisa com vontade, curtindo as descobertas mais sutis. O maior prazer dela era cozinhar. Era aonde sua loucura alquimista estava institucionalizada, risos. Ela não seguia receitas. Tudo era feito com pitadas e punhados de ingedientes variáveis, nunca com gramas , colheres de sopa e afins. Era imbatível na arte de deliciar-nos. Talvez tenha sido assim também na receita de educação de meu pai e meu tio e talvez por isso eles sejam pura gostosura. Ela não era italiana. Meu avô é que era, mas ninguém dançava tarantela como aquela mulher. E vivi alguns dos momentos mais felizes de minha vida, entre uma rodada e outra desta dança, que aprendi.

Não é porque o colo daquela esperança foi o mais quente, que a vida me deu que chorei de amor. É porque companhia como a dela será difícil de encontrar. Ela era inteira. Não estava em busca de metades culpadas ou inocentes de suas próprias loucuras. Ela era louca assumida e ponto. Só quis sempre compartilhar tudo de bom que tinha, com todo mundo. E de santa não tinha nada, ainda bem. Quando errava, não rezava...fazia algo de bom. Choro agora ao lembrar que foram raras as vezes que vi minha avó chorar. Quando ela estava triste, culpada , contrariada, ou etc...ela também fazia.

É como disse o poema de Quintana...” e ao relembrar-te a gente diz parece um sonho que ela tenha vivido” aqui junto de mim..... Minha avó é alegria sincera, livre das demandas mais usuais. Ela tinha medo de morrer e não morrerá nunca porque , como disse Clarice Lispector “aonde houver uma mulher com seu príncipio ela viverá”. Desde que ela partiu, toda vez que uma melancolia tenta roubar-me a paz, tenho sentido de forma diferente a quentura do sol, o azul do céu, o barulhinhos dos passarinhos...a vida e tenho certeza de que estas sensações são abraços dela, não mais personificada, mas diluída em tudo que é vida.

A notícia de que a cabeça de minha avó explodiu em lágrimas de sangue foi triste por demais. Mas por que se ela sempre foi tão alegre?????? Por que este quando é justo agora??? Quando uma guerreira cheia de força, poder, energia, amor, alegria e coragem tem que trilhar outros rumos, tudo que ficou se esfumaça, como se faltasse o comando. Fica um pouco de medo e a vontade de honrar o trabalho feito. Permanece muito mais: a gratidão e a alegria de ter lutado junto.
Poderia encher páginas e páginas de amor pela minha avó. Paro por aqui agora. E paradoxalmente seguirei repetindo esse amor até o sempre.
“Eu te amo, amarei, amaria e seguirei amando, porque o gerúndio deste amor é o único que me cabe”....sua neta Carol Montone, sua Carolina